Você já presenciou o nascimento de um mito? Como precisar o exato momento em que uma pessoa cruza uma linha e muda de status? O instante em que anos de esforço, dedicação e sacrifício transformam um atleta de ponta em um herói olímpico? Isaquias Queiroz pode responder melhor do que ninguém. Eram 9h25 de 21 de agosto de 2016, um sábado, quando ele e o companheiro Erlon de Souza fecharam em segundo lugar o C2 1000m na final olímpica da Rio 2016. As águas da Lagoa Rodrigues serviam, naquele momento, de batismo para um mito do esporte nacional: Isaquias se transformava no único brasileiro a conseguir três medalhas numa única edição dos Jogos Olímpicos. A prata se juntava à outra já conquistada no C1 1000m e ao bronze no C1 200m. Para a torcida brasileira, pouco importava que o alemão Sebastian Brendel, agora com a ajuda de Jan Vandrey, ficasse novamente com o ouro – ele já havia sido a pedra no caminho do brasileiro no C1 1000m, prova que também venceu. A Ucrânia, de Ianchuck e Mishchuk, ficou em terceiro (veja os tempos no fim da reportagem).

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Isaquias Queiroz festeja com seu parceiro Erlon de Souza a conquista da prata (Foto: AFP

O feito de Isaquias não se restringe ao Brasil. Ele também se transformava no único atleta a ganhar três medalhas na canoa numa única edição dos Jogos – outros atletas conseguiram três medalhas, mas em provas de canoa e caiaque.

Isaquias sonhava com o ouro, mas a prata não causou decepção. Nem nele nem no público, que apoiou com entusiasmo a dupla brasileira do início ao fim. O mais novo mito do esporte vibrou com seu feito e agradeceu à torcida.

– Eu me sinto realizado. Meu objetivo era ter as três provas. Dedico para todo mundo que me ajudou. Estou orgulhoso e feliz por quebrar esse recorde como atleta brasileiro. Não é só meu. Minha equipe toda está de parabéns. Não é só para mim. Estou satisfeito e muito feliz. Vim com um objetivo. Agradeço primeiro ao Comitê Olímpico, que trouxe o Jesús [Morlán, treinador da dupla], esse apoio. Tivemos recorde de público aqui – afirmou Isaquias Queiroz.

A parceria vitoriosa da canoagem velocidade saiu do Rio de Contas para o Rio de Janeiro.  Agora, foi do Rio de Janeiro para o mundo. Isaquias, filho de Ubaitaba, e Erlon, rebento de Ubatã, deram suas primeiras remadas nesse rio prateado, berço da canoagem do Brasil, que corta mais 11 cidades no estado da Bahia e produz canoístas a cada novo nascimento, já que a embarcação é o principal meio de transporte do local. Eles cresceram, deram duro, superaram, cada um, suas próprias dificuldades. Tudo sob a batuta de Jesús Morlán, que já tinha levado o espanhol David Cal a cinco medalhas olímpicas e, em 2013, resolveu acreditar no projeto da canoagem brasileira.

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Isaquias fez coração para a torcida e apontou para seu parceiro ao ser aplaudido (Foto: REUTERS/Marcos Brindicci)

O estrangeiro teve visão: tirou os meninos da represa de Guarapiranga, foi para a raia olímpica da USP, em São Paulo, mas viu que não daria certo dividir a lagoa com amadores. Os atletas precisavam de foco total. Após muita pesquisa, o comandante fez uma mudança drástica: levou a seleção brasileira para a pacata Lagoa Santa, em Minas Gerais. Adotou um sistema de treinamento de oito semanas de trabalho e apenas uma de folga. Deixou sua família na Colômbia e passou a morar e dividir tudo, até tarefas domésticas, com Isaquias, Erlon e os outros canoístas que fazem parte do time, Ronílson e Nivalter.

Ao longo do tempo, a equipe teve inúmeras conquistas. Dentre elas, vale destacar os dois ouros de Isaquias na prova do C1 500m nos mundiais de Duisburg 2013 (levou também bronze no C1 1000m) e Moscou 2014 (ainda ficou em terceiro no C2 200m, com Erlon), e o ouro mais recente, em Milão 2015, no C2 1000m, com o parceiro habitual (ganhou também o bronze no C1 200m). Agora, adiciona à sua coleção a prata de Erlon e Isaquias, e a outra prata e o bronze do baiano de 22 anos. Que as águas passem, mudem, se renovem… Mas a canoagem nunca vai se esquecer do que viu nas águas da Lagoa Rodrigo de Freitas na Olimpíada do Rio nesta semana.

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Isaquias Queiroz e Erlon de Souza: uma parceria que deu certo (Foto: Damien MEYER / AFP)

Veja os tempos da final do C2 1000m:

Ouro – Brendel/Vandrey (ALE) – 3m43s412
Prata – Isaquias Queiroz / Erlon de Souza (BRA) – 3m44s819
Bronze – Ianchuk/Mishchuk (UCR) – 3m45s949
4) Vasbanya/Mike (HUN) -3m46s198
5) Shtokalov/Pervukhin (RUS) – 3m46s776
6) Torres/Jorge (CUB) – 3m48s133
7) Radon/Dvorak (RTC) – 3m49s352
8) Kochnev/Mirbekov (UZB) – 3m52s920

 

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