O ataque a tiros desta terça-feira (11) na Catedral Metropolitana de Campinas (SP) ocorre no momento em que o país debate a ampliação do porte e da posse de armas, uma das principais bandeiras do presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL).

No ataque, ao menos quatro pessoas foram mortas a tiros, segundo o Corpo de Bombeiros. A principal suspeita é de que um grupo de pessoas foi atacado por um homem, identificado como Euler Fernando Grandolpho, que entrou na igreja e atirou contra os fiéis. Segundo a PM, o suspeito se matou após o ataque -ele portava uma pistola 9 mm e mais um revólver.

Segundo dados do Exército obtidos via lei de acesso à informação pelo Instituto Sou da Paz, cerca de seis armas são vendidas por hora no mercado civil nacional. Neste ano, até 22 de agosto, haviam sido vendidas 34.731 armas no total.

“Nesse ritmo, teremos mais vendas em 2018 do que em 2016 e 2017, quando houve entre 40 e 47 mil. O brasileiro está buscando mais armas”, diz o diretor executivo do Instituto Sou da Paz, Ivan Marques.

Apesar do aumento nas vendas, o estatuto do desarmamento, lei federal aprovada em 2003 e afrouxada nos últimos anos por meio de decretos e portarias, corre o risco de ser desmantelado a partir de 2019, no que depender do novo presidente. O estatuto regula o acesso a armas e restringiu o porte e a posse em todo o país.

Pelo estatuto, hoje, para obter a posse é preciso ser maior de 25 anos, ter ocupação lícita e residência certa, não ter sido condenado ou responder a inquérito ou processo criminal, comprovar capacidade técnica e psicológica e declarar a efetiva necessidade da arma. Já o porte é proibido, exceto para forças de segurança, guardas, entre outros.

Além das vendas recentes, o número de novas licenças para pessoas físicas, concedidas pela Polícia Federal, tem crescido consistentemente nos últimos anos, bem como os registros para colecionadores, caçadores e atiradores desportivos, dados pelo Exército. No total, hoje, são mais de meio milhão de armas nas mãos de civis: 619.604.

“No debate eleitoral, se falava que é impossível comprar arma no Brasil. Mas os dados mostram que isso é falso”, diz o diretor do Sou da Paz. Para o pesquisador em segurança pública Fabrício Rebelo, favorável à liberação do porte, os números são baixos em relação à população do país. “É ínfimo. No Uruguai, há uma arma para cada seis pessoas.”

População em frente a igreja onde ocorreu o atentado (Reprodução/Facebook)

Em discursos, Bolsonaro defendeu mais de uma vez a mudança do estatuto do desarmamento. “No que depender de mim, com a ajuda de vocês, todos terão porte de arma de fogo”, disse ele, em 2017, em Belém.

A proposta constava no plano de governo: “Reformular o Estatuto do Desarmamento para garantir o direito do cidadão à legitima defesa”. Nos últimos anos, algumas medidas flexibilizaram a lei, como um decreto presidencial de 2016, que ampliou a validade do registro de armas de três para cinco anos. Uma portaria do Exército, de 2017, também significou um afrouxamento do estatuto. A medida permite que atiradores desportivos levem suas armas, carregadas com munição, até o local de tiro.

Atualmente, 55% dos brasileiros acham que as armas devem ser proibidas por representarem ameaça à vida dos outros, e 41% avaliam que possuir uma arma legalizada deve ser direito do cidadão que queira se defender.

Os dados são de pesquisa Datafolha de outubro deste ano. Em novembro de 2013, 68% achavam que as armas deveriam ser proibidas, e só 30% queriam armas liberadas.

Comprovação cientifica 

Segundo estudos científicos, ampliar o acesso a armas não reduz conflitos com mortes. De acordo com o professor de saúde pública da Universidade Harvard (EUA) e diretor do Centro de Pesquisa em Controle de Ferimentos da mesma instituição, Dave Hemenway, todas as evidências apontam na direção de menos segurança com armas.

“Uma arma dentro de uma casa aumenta o risco de que seus moradores cometam suicídio ou se envolvam em um acidente fatal. Aumenta ainda o risco de mulheres e crianças serem assassinadas com a arma doméstica”, explica ele. Segundo Hemenway, as pesquisas sugerem que os riscos e prejuízos de se ter uma arma em casa superam qualquer potencial benefício.

Centenas de estudos realizados pelo mundo, alguns poucos no Brasil, partiram de diferentes evidências e modelos de cálculo para chegarem a uma mesma conclusão: onde há mais armas, há mais mortes. A resistência do campo pró-armas está em questionar essa relação de causalidade (em que um fator leva a outro) -sem que se apresentem dados e evidências do contrário.

Este campo defende a hipótese do uso defensivo de armas, segundo a qual a proliferação de armamentos diminuiria a incidência de crimes ao mudar o cálculo de risco de criminosos. Eles seriam desencorajados do enfrentamento diante da maior probabilidade de encontrarem resistência inesperada por parte da vítima.

Para Rebelo, favorável à liberação do porte, “a grande questão neste debate é democrática”. “Tivemos um referendo sobre comércio de armas em 2005, e a população fez a opção por manter a comercialização de armas. É preciso alinhar a legislação à vontade da população”, argumenta.

“Argumentos teóricos abstratos vão existir dos dois lados”, pondera o economista Rodrigo Soares, professor da Universidade Columbia (EUA). “O que fica muito claro neste debate é que a posição do grupo que defende as armas é inteiramente ideológica, porque não tem ligação com fatos ou compromissos.” Para ele, “para continuar no debate, esse campo tem que produzir evidência científica mais robusta para o Brasil”.

De acordo com o canadense Robert Muggah, diretor de pesquisa do Instituto Igarapé e especialista em segurança pública, apesar de todo o peso das evidências que apontam que mais armas geram mais mortes, muita gente acredita que armas podem deixar as pessoas mais seguras. “É um debate semelhante ao do aquecimento global, em que 95% dos estudos indicam indução humana das mudanças climáticas e muita gente ainda duvida disso”, afirma.

Fonte: Portalodia.com Por Folhapress

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